Thursday, March 4, 2010

Um ano depois

Um ano depois de me sentar à espera que o nada me tapasse a boca, continuo sentada e amordaçada, mas agora foi o nada quem me beliscou.
Não consigo perceber as incongruências da vida e detesto ser adulta. Ter que ter, ter que fazer, ter que agradar, ter que deixar de ser eu porque a vida é assim... Quando era criança podia correr até ao infinito porque ele nunca fugia de mim, e eu sentia sempre que cada dia roubava um bocadinho dele e o trazia comigo, na minha pequenina mãozinha. Hoje o infinito não é para mim. Roubaram-me até os pedaços que, com tanto amor, preservava mesmo junto ao peito. Não me resta nada, para além das mordaças na boca e do sabor a sangue e a dor que me escorre por entre os lábios. Talvez esteja finalmente a acordar da morbidez dos meus dias. Ou talvez esteja simplesmente a reconhecê-lo e a entregar-me desde já.
Fica sempre tanta coisa por dizer... e tantas outras que são ditas vezes demais. Por norma, as más repetimo-las vezes sem conta, como se um rosário desfiássemos, e as boas, essas, fechamo-las a sete mil chaves num baú... não vão elas saltar cá para fora ou encher o nosso cérebro e o nosso âmago de um frenetismo feliz desapropriado...
A minha vida é labiríntica... já pensei em comparar-me a Ícaro... voar por cima do labirinto poderia fazer-me perceber como de lá sair... mas e se queimo as minhas asas no astro que tanto admiro? Por outro lado, e me deixo apodrecer no labirinto, à espera de dias melhores?
O sonho, sempre o sonho...