Thursday, April 1, 2010

Música

Foi contigo. Em V. Lembras-te? Andava como quem cantava. Dançava ao som do amor. E bastava um sorriso teu para o mundo caber na minha mão. Achava que conseguia tudo. Correr no meio na neve. Chorar lágrimas de amor. Assistir a um concerto sem chorar. Colar-me ao vidro de um eléctrico sem ter frio. Adormecer a sorrir. Acordar nos teus braços. Imaginei-me a Sissi, a quem me comparaste... estrelas no meu denso cabelo longo, diamantes... sem qualquer valor quando comparados com o brilho do teu olhar. Nunca cheguei a ponderar o quão profunda fora a comparação, o quão trágica pudesse ser... Abracei o pinóquio, comi apfelstrudel... mas nada se comparava à tua companhia. Porque era por ti que tudo era possível. Incomparável, insubstituível. Até que fui dar o meu concerto. Maestro. Dezenas de músicos tocavam ao meu ritmo. Não ao teu. Estavas imóvel. Foi quando percebi que tudo era assim não porque tu estavas lá, mas porque eu estava... E os sentimentos não eram concessões de quotas da tua generosidade, mas uma graça do ser humano. De qualquer um. Como todos os outros.

Interrogações arqueadas

Interrogo-me tantas e tantas vezes sobre a vida. Que sentido lhe devemos dar? Que garantias tem para nos oferecer? Uma correria desenfreada atrás de uma carreira profissional que nunca se delineará? Uma procissão sangrenta por um amor que mói e faz sofrer? Sento-me e olho ao meu redor, por uns momentos, como se nada devesse nem nada tivesse a receber... Vejo as pessoas correrem atrás de dinheiro, muito dinheiro, ignorando princípios, valores..., vejo concepções de amizade denegridas, putrefactas..., vejo enredos e intrigas desmesuradas..., vejo a necessidade que se tem de se ser melhor que o outro..., vejo famílias destruídas, casamentos destroçados, amantes de costas voltadas, egoísmos rebeldes e trágicos. E não gosto do que vejo. Fecho os olhos e por uns instantes inspiro e expiro, relembro um mantra, imagino que consigo fazer algo melhor... mas a submissão e o rebanho impelem-me num sentido estranho... O sempre agradar para que não seja falada, o sempre esconder para que não seja apontada... O medo de arriscar e ser falhada. Estou na insegurança de cada olhar, na incerteza de cada dia e com uma enorme vontade de provar que pode ser diferente. Falta-me o como. Há-de chegar. Ele não fabrica coincidências...

Thursday, March 4, 2010

Um ano depois

Um ano depois de me sentar à espera que o nada me tapasse a boca, continuo sentada e amordaçada, mas agora foi o nada quem me beliscou.
Não consigo perceber as incongruências da vida e detesto ser adulta. Ter que ter, ter que fazer, ter que agradar, ter que deixar de ser eu porque a vida é assim... Quando era criança podia correr até ao infinito porque ele nunca fugia de mim, e eu sentia sempre que cada dia roubava um bocadinho dele e o trazia comigo, na minha pequenina mãozinha. Hoje o infinito não é para mim. Roubaram-me até os pedaços que, com tanto amor, preservava mesmo junto ao peito. Não me resta nada, para além das mordaças na boca e do sabor a sangue e a dor que me escorre por entre os lábios. Talvez esteja finalmente a acordar da morbidez dos meus dias. Ou talvez esteja simplesmente a reconhecê-lo e a entregar-me desde já.
Fica sempre tanta coisa por dizer... e tantas outras que são ditas vezes demais. Por norma, as más repetimo-las vezes sem conta, como se um rosário desfiássemos, e as boas, essas, fechamo-las a sete mil chaves num baú... não vão elas saltar cá para fora ou encher o nosso cérebro e o nosso âmago de um frenetismo feliz desapropriado...
A minha vida é labiríntica... já pensei em comparar-me a Ícaro... voar por cima do labirinto poderia fazer-me perceber como de lá sair... mas e se queimo as minhas asas no astro que tanto admiro? Por outro lado, e me deixo apodrecer no labirinto, à espera de dias melhores?
O sonho, sempre o sonho...