Tuesday, May 1, 2007

Meditações de frigorífico

Seria tão mais fácil abdicar desta racionalidade que só atormenta...ou deste coração que mais parece uma vítima da leis da gravidade, qual desconfortável maçã de Newton...
Sem amar nem pensar quão inocente e pura seria a vida, sem emoções exacerbadas, quão calma e suave... Imagine-se, como um passarito, voa no seu anonimato, na ingenuidade das tarefas mais básicas, não será feliz? Ou como o empertigado gato, mesmo com o fardo da gestão das suas sete vidas, se não tirará mais lucro desta vida.
Mas não, não fui digna dessa oportunidade que só aos escolhidos é atribuída. O meu fado é mais duro, mais intenso, mais ingrato...deram-me racionalidade (aquela incómoda capacidade de pensar nas coisas, mesmo naquelas que não me apetece e até naquelas que fazem parte de um futuro que nem sei se alcançarei...)...deram-me um coração (deve ser de uma marca registada muito particular, ou então um achado não digno de museu; tendencialmente aberto, mas sofredor; incómodo por se entregar e incómodo por errar por isso mesmo) e deram-me o sexo feminino (uff, e aqui, apesar dos progressos, ainda há muito por palmilhar, andamos na peugada das ideias e na sombra de passados que se acreditam conquistados...naifismos). Resta-me uma dignidade, tão pouco apreciada, contudo, meu alento diário, o amor às letras. Não tenho nada contra os números, em regra até temos diálogos mutuamente enriquecedores. Mas das letras, e do amor ao próximo que cada uma delas me transmite, não consigo abrir mão. São elas que me ilustram, quais tutores particulares... E, ironia das ironias, nada me garantem, os presságios acumulam-se... Qual mágoa por descobrir...

2 comments:

LA said...

"Bem aventurados os pobres de espírito", desprovidos da racionalidade que nos é capaz de colocar o mundo em causa...
Por um lado, com isto sofremos, com a capacidade de nos sabermos não completamente felizes com o que temos e somos, mas antes precisarmos de ser mais que isso.
Temos o essencial, mas falta-nos o tudo. Não nos basta uma vida humilde, de ermita, mas antes procuramos uma vida completa. Olhando-nos, vemo-nos com a fome saciada, mas também procuramos o amor e o sucesso profissional. Eternos insatisfeitos somos, por não nos contentarmos com a mediania, que nos é alheia, mas antes procurarmos a perfeição em tudo o que fazemos.

Anonymous said...

Isto lembra-me o poema da ceifeira do querido Pessoa.

Mas realmente, o Pessoa tinha uma visão muito minuciosa no seu alcance.

Bjs