Saturday, September 29, 2007

DO IMPÉRIO DO TER à quimera do ser

De tertúlia psicológica em (des)ilusão conterrânea, pousei uma vez mais no meu espaço de desvario contido.
No meu debate anjo/diabrura ou direitos/deveres ou até fidelidade/flirt acabo por descambar, a jusante, num rigoroso frente a frente ter/ser. E aqui, inquisidora de mim e de tantos que me rodeiam, tendo a questionar as primazias que se vão dando a nadas em detrimento de valores tão elevados que, por serem, poucos (ou nenhuns) são os que tentam içar-lhes as manápulas desgastadas. Não precisamos de invocar muitas imagens nem de dilacerar as nossas entourages à custa de platonismos repetidos. É a ideia em voga do aquecimento global e das energias renováveis, da reciclagem, e dos direitos humanos, dos pobres imigrantes ilegais e dos ricos portugueses recostados nos seus canudos de licenciados, e graduados em doutorices, sem reconhecimento, nem mérito, num mercado mordaz e em segregação de tudo e todos, qual Katrina focado na (des)economia do ser humano...
A triste ironia da realidade reside precisamente nesse marasmo da pseudo-formação /pseudo-exploração / pseudo-oportunidade, onde todos ficam boquiabertos quando ecoa da televisão uma voz que, em tom de lamuria excitada, proclama o desemprego da juventude e o número crescente dos imigrantes ilegais (esta será sempre, a meu ver uma questão deveras curiosa, uma vez que, tratando-se de ilegais, como se chega facilmente a números??, que tipo de contagem é feita??, qual o rigor da informação??, ou sabendo-se dessa ilegalidade, qual o motivo que leva os Estados a olvidarem estes seres que vivem à parte deles mesmos?? haverá assim tanta vantagem financeira?? qual o valor do capital humano??)... Os grandes capitalistas falam em investimento nas alternativas aos clássicos meios para trespassar a poluição e, concomitantemente, tirar proveito da consciência do "sangue novo" integrando-o num mercado laboral que, para periclitante, nada lhe falta...
E nós, os chamados jovens, recém-licenciados, futuro do país, irresponsáveis e amarrados aos pais até quase à pré-reforma? Quem somos, afinal? Somos de rês vária, é verdade. Há os que são irresponsáveis e vivem à sombra de algo que nunca foram e de vontades que não têm. Mas também os há trabalhadores, transparentes na amizade, grandiosos no ser e consequentemente tísicos no ter. Os que ainda vão acreditando que haverá um amanhã, que vale a pena, que talvez possamos ser irmãos de sonhos, mesmo quando olhamos para várias mãos descarnadas à custa da chapada desgastante que é o pesadelo.

Descendentes dum Velho do Restelo, ser-nos-á permitido cantar "Há uma primavera em cada vida: É preciso cantá-la assim florida, Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!"?

1 comment:

LA said...

Pois é, a moça que não gosta de cantar, anda a perguntar-se se pode cantar.
Cantemos então, mas só se o quisermos (saber cantar ou não, bem, digamos que a qualidade está nos ouvidos de quem escuta).
Sobre debates, todos temos nossos debates internos, decisões a tomar, vou por aqui ou ali, aceito X ou Y, continuo a acreditar, ou aceito as evidências do óbvio.
Acredito que devemos prosseguir aquilo que acreditamos trazer-nos felicidade, medida não pelo instantâneo, mas pelo acumulado do tempo (fazer aquilo a que em matemática se chama uma integração). No fundo, seguir sonhos (quimeras?) que talvez nunca se concretizem, mas que sabemos que, caso hoje desistamos de procurar, iremos estar o resto da vida a perguntarmo-nos porque desistimos. Sei do que falo!
Queixas-te da falta de oportunidades, não és a única pessoa que conheço a falar do mesmo. Acho que me posso considerar a excepção entre a juventude que conheço. Olho, e vejo quem se queixa do curso que seguiu, que sabe que poderia ter seguido outro curso e ter outras possibilidades agora (apesar de gostar do que faz), olho e vejo quem tirou um curso, mas que não lhe dá prazer tê-lo como profissão (nem encontra facilmente emprego na sua área), mas que tem hobbies que lhe dão imenso prazer, e quem sabe, poderia deles fazer profissão, olho e vejo quem se encontra insatisfeito com as oportunidades que o curso lhe deu...
Olho e penso, até que ponto andamos nós (sociedade) a enganar os jovens, a incutir-lhes a ideia que "o canudo é bom, estudas agora e ficas bem na vida". Vida não é um mar de rosas, é preciso sempre trabalhar para alcançar algo. Quantos licenciados "da tanga" não existem por este nosso pais, que, pelo seu apelido, nascimento ou ligações não andam a fazer um trabalho medíocre, manchar o nome da classe, e tirar o lugar a alguém que o faria com brio, e produziria uma obra digna desse nome? Viva a meritocracia, grito eu! (cala-te, oh idiota, responde-me a sociedade).
Gosto de pensar no exemplo alemão, onde não há falta de mérito no curso profissional (vs licenciatura), e a sociedade ganha com um maior equilíbrio. Conto precisar mais vezes de um canalizador que de um advogado, por exemplo! (E qual será o ordenado médio de um canalizador vs de um licenciado em direito? Com 1, 5 e 15 anos de experiencia. Talvez haja algum interesse num estudo desses...)
Enfim, sociedade que temos, sociedade que criamos, sociedade que podemos mudar (devagarinho, e sem ondas, para não se notar a alteração, tal sapo em panela de água ao lume).
Viva a primavera! Mas também viva o inverno, que nos faz ansiar e prezar a primavera!